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Como funciona a tributação das stock options no Brasil

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Os Planos de Opções de Compra de Ações (Stock Option Plans ou “SOPs”) são um dos principais tipos de Incentivo de Longo Prazo (“ILP”) utilizados no mercado. Eles são uma poderosa ferramenta para atração e retenção de talentos em empresas, e têm sido cada vez mais adotados pelas startups Brasil afora. 

O SOP, uma vez aprovado pelos acionistas, permite aos administradores assinarem Contratos de Opções com colaboradores, executivos e parceiros da empresa (desde que pessoas físicas). O Contrato de Opção garante ao seu beneficiário o direito de adquirir ações da companhia por um preço de exercício pré-definido, uma vez cumpridas determinadas condições de vesting, como o período de permanência na empresa. 

O preço de exercício costuma ser baseado na avaliação (valuation) mais recente da empresa, geralmente derivado do preço por ação da última rodada de investimentos ou, na sua ausência, de alguma outra avaliação específica. A ideia é que, com o passar do tempo, a empresa se desenvolva e seu valuation cresça junto, tornando as suas ações mais valiosas e, consequentemente, também as stock options

Após cumpridas as condições de vesting, o beneficiário pode exercer a sua opção e comprar as ações a que tem direito. Se, nesse momento, o valor de mercado da ação for superior ao preço de exercício pré-definido no contrato, a opção tem valor e pode ser interessante exercê-la.

Se, por outro lado, a empresa estiver “mal das pernas” e o preço de mercado da ação for inferior ao preço de exercício, então a opção é considerada sem valor e o colaborador pode simplesmente não exercê-la. Como os SOPs não costumam exigir o pagamento de um “prêmio” pelos beneficiários para receberem a opção, o vencimento sem exercício não acarreta nenhum prejuízo ao beneficiário.

Atual cenário de tributação

A atratividade desse tipo de instrumento – tanto para a empresa quanto para o colaborador – é inegável, por alinhar os interesses de longo prazo rumo ao crescimento da organização, do qual todos se beneficiam. O que não é nem um pouco claro, ao menos no Brasil, são os impactos tributários da sua utilização. 

Isso porque a legislação brasileira diz quase nada sobre a natureza ou a tributação desses planos. A única exceção é o artigo 33 da Lei nº 12.973/14, que permite às empresas deduzir do lucro real, para fins de IRPJ e CSLL, as despesas incorridas com o exercício das stock options, correspondentes à diferença entre o valor justo1 das ações na data de exercício e o preço pago pelo beneficiário.

Assim, os principais pontos de discussão giram em torno de quais os tributos incidentes sobre as stock options e o seu momento de pagamento.

Natureza remuneratória ou mercantil

A grande questão aqui se dá quanto à natureza das stock options, se remuneratória (trabalhista) ou mercantil, o que impacta diretamente os tributos incidentes sobre a operação. De um lado, a Receita Federal defende a natureza remuneratória das stock options, tratando-as como salário, sujeitas, portanto, às contribuições previdenciárias e trabalhistas e ao IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física) anual à alíquota de até 27,5% – que deve ser retido na fonte pela empresa. Do outro, os contribuintes (empresas e beneficiários) defendem a natureza mercantil das opções, sujeitas apenas ao imposto de renda sobre eventual ganho de capital apurado na venda das ações exercidas (com alíquotas de 15% a 22,5%).

Os argumentos da Receita são de que as stock options, ao serem exercidas, representam um acréscimo patrimonial imediato ao beneficiário, independentemente de sua realização em dinheiro. Esse acréscimo, por sua vez, decorre diretamente da relação de trabalho entre o beneficiário e a empresa, já que as opções são exclusivas a colaboradores e executivos e possuem privilégios maiores que os oferecidos no mercado. A renda tributável corresponderia à diferença entre o valor de mercado das ações na data do exercício e o preço pago pelo beneficiário para adquiri-las. 

Já os contribuintes argumentam que o exercício das stock options implica apenas uma potencial expectativa de retorno financeiro, que dependerá da efetiva venda das ações. Esse potencial retorno, por sua vez, não decorre diretamente da relação de trabalho, mas sim das condições de mercado e do desenvolvimento econômico da empresa, que pouco guardam relação com o desempenho específico do colaborador. Além disso, defendem que as opções não têm retorno garantido, estando sujeitas aos riscos de valorização ou desvalorização de mercado, que a adesão ao plano é facultativa e que o exercício da opção demanda efetivo desembolso financeiro pelo beneficiário, o que as diferenciaria do salário em sua concepção original.

Quando olhamos para os precedentes no Judiciário, apesar de não haver uma direção consolidada, vemos um maior favorecimento à tese mercantil dos contribuintes. A Justiça Trabalhista já se manifestou diversas vezes2 pela não caracterização das stock options como salário, não sujeitas, portanto, às verbas trabalhistas (13º, férias, FGTS etc.).

Já a discussão sobre os encargos previdenciários e tributários (IRPF, INSS etc.) corre na Justiça Federal, seguindo critérios jurídicos diferentes da Trabalhista. Apesar de ainda haver divergências significativas nos Tribunais Regionais Federais, há um favorecimento à tese dos contribuintes3. Isso foi comprovado por um recente levantamento feito pelo escritório Mattos Filho, que verificou que 77,06% das pouco mais de cem decisões localizadas em primeira e segunda instâncias são favoráveis a trabalhadores e empresas. Contudo, vale ressaltar que a questão só será melhor pacificada após decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) a respeito4.

Enquanto no Judiciário a discussão ainda está em aberto, no CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) a jurisprudência acabou se consolidando pela natureza remuneratória dos SOPs5, o que tem levado os contribuintes a direcionarem os questionamentos das suas autuações diretamente para o Judiciário, onde as chances, como vimos acima, são significativamente melhores.

Vale dizer que a enorme maioria dos precedentes judiciais e administrativos tratam de planos de stock options implementados por companhias abertas, cujas ações costumam gozar de grande liquidez, diferentemente do que ocorre com as startups, em que as oportunidades de liquidez são muito menores e os riscos de insucesso do empreendimento muito maiores – o que, a princípio, favorece o enquadramento da natureza mercantil. 

Abaixo segue um quadro explicativo para facilitar o entendimento do atual cenário de tributação:

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Boas práticas para minimizar o risco de natureza remuneratória

Apesar da instável jurisprudência sobre o tema, alguns aspectos específicos do plano podem aproximá-lo ou afastá-lo da caracterização remuneratória das opções:

  • Onerosidade: é fundamental que o preço de exercício estabelecido não seja irrisório – na verdade, quanto menor a diferença entre o preço de exercício e o preço de mercado das ações na data da outorga, menor o risco tributário. 
  • Risco de mercado: o lucro a ser realizado pelo beneficiário deve estar sujeito a variações de mercado, ou seja, não pode haver retorno garantido pela empresa.
  • Voluntariedade: o beneficiário não pode ser obrigado a aderir ao plano – deve ser uma política empresarial de adesão facultativa.

Nesse mesmo sentido, existem algumas práticas que devem ser evitadas caso se busque a caracterização mercantil das opções:

  • Habitualidade das outorgas: as outorgas devem ser realizadas de forma espaçada e eventual, pois a realização de outorgas frequentes para um mesmo colaborador as assemelha à natureza salarial. 
  • Vesting por metas: a previsão de metas, especialmente individuais, indica um caráter retributivo pelo trabalho prestado pelo beneficiário, o que pode caracterizar a natureza salarial.
  • Possibilidade de recompra das ações em caso de saída do colaborador: a possibilidade de recompra pela empresa das ações exercidas diminui o risco de mercado da operação para o beneficiário.

Como é feito fora do Brasil

Fora do Brasil, a situação tributária das stock options é bem diferente. Isso porque, embora não haja uma caminho único adotado pelos países, ao menos há maior clareza sobre a tributação aplicável. 

Países como Reino Unido, Estados Unidos e França se destacam na sofisticação do enquadramento tributário dos SOPs, o que leva a maiores níveis de adoção desses instrumentos pelas empresas nacionais.

No RU, por exemplo, as startups podem aderir ao Enterprise Management Incentive (EMI), um dos mais benéficos programas de tributação de SOPs do mundo. Nele, a tributação segue a lógica dos ganhos de capital, ocorrendo apenas na venda das ações, a uma alíquota de 10% – ou 20% caso a venda ocorra menos de 1 ano depois da outorga. A empresa, por sua vez, não paga tributos – e ainda pode deduzir as despesas do seu lucro tributado. Mas, para que isso ocorra, o preço de exercício deve ser definido a valor de mercado, conforme avaliação da empresa negociada com a Administração Fiscal e Aduaneira do país (HMRC). Essas avaliações, porém, costumam ser significativamente menores que as praticadas na última rodada de investimentos, especialmente para empresas ainda sem receita.

Já nos EUA, as empresas podem estruturar seus SOPs como Incentive Stock Options (ISOs) ou Non-Qualified Stock Options (NSOs). Os ISOs, mais vantajosos tributariamente (embora de uso mais restrito), garantem a tributação como ganho de capital, com alíquotas de até 20% na venda, desde que esta ocorra após ao menos um ano do exercício e dois anos da outorga – e não haja uma diferença muito significativa entre o preço pago e o valor de mercado das ações na data de exercício (o que pode gerar ajustes no Alternative Minimum Tax – ATM do beneficiário). A empresa também não paga tributos – e ainda pode deduzir as despesas do seu lucro tributado. Para determinar o valor de mercado das ações (“fair value”), é necessária a realização dos famosos 409A valuations. Essas avaliações, porém, também podem ser significativamente menores que as praticadas na última rodada de investimentos, a depender da estrutura acionária (preferenciais e ordinárias) e da maturidade da empresa.

O Marco Legal das Startups e as (malsucedidas) tentativas de regulamentar as stock options no Brasil

Aqui no Brasil, o mais recente esforço de regulamentação tributária das stock options que merece destaque foi incluído no Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 146/2019, o famoso Marco Legal das Startups. O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro de 2020 previa a caracterização remuneratória das stock options, sujeitando-as ao pagamento das contribuições previdenciárias e do IRPF de até 27,5% no exercício das opções.

Felizmente, por pressão do mercado, o Senado Federal acabou rejeitando essa regulamentação, aprovando o Projeto sem qualquer menção à tributação das stock options. Ao justificar a exclusão, o relator do projeto, senador Carlos Pontinho (PL-RJ), afirmou que a discussão é complexa, extrapola as startups e merece ser tratada de forma mais aprofundada e específica em outro momento.

Assim, as empresas e colaboradores, apesar de respirarem aliviados, aguardam ansiosamente uma regulamentação mais clara sobre o tema, pois não aguentam mais lidar com o persistente cenário de insegurança jurídica atual.

Nossa visão para um futuro melhor

Independentemente da interpretação adotada, é certo que todos os envolvidos – empresas, beneficiários, investidores e o próprio Fisco – demandam por maior clareza sobre a tributação das stock options no Brasil. A insegurança jurídica é não só ineficiente, mas contraproducente. Ela gera custos altíssimos para todos envolvidos, seja em razão do grande número de processos administrativos e judiciais, do enorme volume de dinheiro gasto com pareceres legais ou, especialmente, do inestimável número de colaboradores que deixam de participar dos lucros que ajudaram a gerar.

Em nossa visão, os SOPs deveriam ser tratados como uma operação mercantil, pois a presença dos elementos de risco e de onerosidade para o beneficiário (por mais que atenuados em relação às operações comuns de mercado) e a dissociação entre o trabalho individual do colaborador e a valorização das ações as tornam substancialmente diferentes do salário em sua concepção tradicional. Aqui, vemos oportunidade para a adoção de um modelo brasileiro parecido com os 409A valuations popularizados nos EUA, que poderiam ser realizados por empresas brasileiras especializadas a preços acessíveis.

Afinal, independentemente da discussão jurídica sobre a natureza dos ganhos, é bastante comum que a legislação crie regimes específicos de tributação, seja para beneficiar determinados setores ou estimular certas iniciativas econômicas. Assim ocorre, por exemplo, com o PLR (Programa de Participação nos Lucros e Resultados), que, por determinação legal (art. 3º da Lei nº 10.101/00), não está sujeito às contribuições previdenciárias e trabalhistas e segue um regime de tributação pelo IRPF à parte da declaração anual, embora as alíquotas sigam os mesmos patamares, de até 27,5%.

É importante dizer, por fim, que essa discussão deve extrapolar as tecnicidades jurídicas (e olha que o autor deste artigo é advogado, rs): os critérios socioeconômicos são muito mais importantes. Afinal, que tipo de sociedade e sistema econômico queremos construir? Que tipos de incentivos queremos passar através das nossas políticas públicas? A nós parece ideal construirmos uma sociedade com mais donos e donas, que incentiva suas empresas a compartilharem seu sucesso com seus colaboradores, reduzindo desigualdades e a concentração de renda na mão de poucos privilegiados, e estimulando os seus trabalhadores a se dedicarem de forma mais significativa e verdadeira às empresas de que participam.

Um recente levantamento da Secfi apontou que os colaboradores dos “unicórnios” que abriram seu capital nos EUA em 2020 deixaram na mesa quase U$5bi (isso mesmo, cinco bilhões de dólares) ao não exercerem as suas opções pré-IPO. A maior razão levantada para isso é o alto custo de exercício dessas opções, sendo o “Leão” o principal responsável: os tributos compõem 85% dos custos de exercício das stock options. E isso nos EUA, onde há maior clareza jurídica sobre o assunto e um regime que, como vimos acima, é mais favorável à empresa e aos colaboradores.

Agora, imaginemos quantas milhares de opções não deixam de ser exercidas todos os anos em nosso ecossistema, para além das poucas empresas que chegam no seu IPO? Ou quantas milhares de empresas de sucesso não deixam de criar planos atrativos para seus colaboradores pela insegurança jurídica associada? 

Por isso, defendemos ser urgente a regulamentação justa e clara dos planos de stock options no Brasil, a fim de promover o desenvolvimento econômico e uma melhor distribuição de renda. Fazemos um convite para superarmos as discussões filosófico-jurídicas, tirarmos a decisão dos tribunais e discutirmos, como sociedade, junto ao nosso Congresso Nacional, o modelo econômico que queremos fomentar em nosso país. É claro que as stock options são apenas um fator dentre tantos que precisam ser levados adiante, mas sua importância é enorme, especialmente para as startups, que são um dos maiores motores da inovação no país.

Leia também: O que acontece com as stock options na saída do colaborador?


1  O Pronunciamento Técnico Contábil (“CPC”) nº 10, de 2010, define que o valor justo das opções deve considerar, no mínimo, fatores como “(a) o preço de exercício da opção; (b) a vida da opção; (c) o preço corrente das ações subjacentes; (d) a volatilidade esperada do preço da ação; (e) os dividendos esperados sobre as ações (se apropriado); e (f) a taxa de juros livre de risco para a vida da opção”.

2 Processos nº AIRR-85740-33.2009.5.03.0023 e nº RR-201000-02.2008.5.15.0140 do TST; Processo nº 0000114-38.2014.5.02.0075 do TRT 2ª R.

3  Julgados favoráveis ao contribuinte: Processos nº 5001768-54.2018.4.03.6100, 5003801-81.2018.4.03.0000, nº 0010061-06.2015.4.03.6100, nº 5016444-08.2017.4.03.0000 e nº 5000453-55.2018.4.03.0000 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região; e Processo nº  0140420-90.2017.4.02.5101 do TRF da 2ª Região.
Julgados desfavoráveis ao contribuinte: Processos nº 5024060-34.2017.4.03.0000 e 5014230-10.2018.4.03.0000 do TRF da 3ª Região.

4  O principal caso em tramitação no STJ atualmente é o REsp nº 1.737.555, que ainda não foi julgado.

Processos nº 16327.721357/2012-24, 10983.720240/2015-56, 16327.720864/2015-93.

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